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O fogo nas noites frias

Atualizado: 6 de mai. de 2021

Quando era uma miúda costumava escrever histórias em cadernos pautados e, mais tarde, escrevia-os à máquina. Fazia desenhos românticos com mulheres abraçadas a homens de contos de fadas para ilustrar os textos. A minha mãe achava engraçado. Todas as mães acham as pequenas proezas dos filhos como algo realmente grande. Mais tarde publiquei romances. Achei engraçado.


Agora a minha vida é diferente. A minha atenção está focada grande parte do tempo no mundo vegetal. Crescimento das couves, das alfaces, dos tomateiros e dos feijoeiros na horta. Semear flores, plantar seres vegetais diversos que nos oferecem ou que vamos comprar aos viveiros locais. Fico a observá-las muito tempo e quase que as escuto a respirar.


Observo cada planta como o objeto mais interessante do mundo. Elas mesmas se surpreendem com tanta admiração. Quando fecho os olhos inunda-me o verde.


Quando chega a noite acende-se a lareira. Há três espaços de fogo no interior desta casa. A energia do fogo anima-me e faz-me acordar da passividade e seguir em frente, realizar, construir.


Quando se acende a lareira recebo o fogo em mim como quem recebe um amigo íntimo, um amigo de longa data. Tenho por ele um amor profundo, o tipo de amor/reverência que se pode ter pelos elementos.


Nessas noites, quando a chuva cai forte lá fora por vezes toco no meu tambor. Foi construído com amor por uma mulher de poder mas gostava de ter construído o meu. Com o tambor acedo a outros lugares, lugares longínquos em que me encontro. O tambor é um cavalo e bater no seu coração é pedir essa viagem interna. Sinto saudades dos tempos na Amazónia e de tudo o que aprendi.


Eu, a noite, a chuva, o tambor, o meu amor. Dois gatos que viajam entre Lisboa e a quinta. Por vezes o meu filho também. São agora quem mais me acompanha pelo caminho da vida. Saudades boas das minhas duas filhas agora entretidas nas suas vidas.






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